Os radicais do Syriza e os outros radicais

Por vezes, as palavras têm significados que são um bocado enganadores.

O Syriza, por exemplo, chama-se a si mesmo "radical", e portanto toda a gente o posicionou como tal.

No entanto, se virmos as suas primeiras medidas que já foram anunciadas, não se podem considerar muito radicais.

Despedir os assessores dos ministérios e voltar a empregar as senhoras da limpeza que haviam sido despedidas, não é uma coisa nem muito radical, nem muito custosa.

Suspender a privatização de uma ou duas empresas públicas não é propriamente uma medida radical, houve vários países europeus que suspenderam, ou adiaram, privatizações.

Repor o salário mínimo para o valor que tinha antes da troika chegar à Grécia, só pode ser considerada uma medida radical se usarmos o mesmo termo para caracterizar a anterior descida.

Quem foi mais radical? A "troika", que desceu o salário mínimo em 30% ou o Syriza, que o sobe no mesmo montante?

 

E é precisamente esse o ponto da minha argumentação: hoje, de tão habituados que estamos a certas medidas que têm o apoio da Europa, já nem as consideramos radicais.

Por exemplo, cortar os subsídios de Natal e Férias em 2012, foi uma medida radical?

Eu acho que foi muito radical e exagerada, bem mais que a subida do salário mínimo do Syriza.

E cortar fortemente os salários dos funcionários públicos, mais de 10% em muitos casos, é radicalismo ou é um "mal necessário"?

E cortar fortemente as pensões, é uma política radical?

Eu acho que é, muito mais do que suspender as privatizações de uma ou duas empresas na Grécia.

E realizar um "aumento brutal" de impostos, como fez Vítor Gaspar, é uma política radical?

Eu acho que é bem mais radical do que readmitir 600 empregadas de limpeza...

 

A verdade é esta: nos últimos anos, as políticas de austeridade foram muito radicais, muito extremadas, muito violentas. Nunca na história de várias democracias se tinha ido tão longe.

Os programas de ajustamento das "troikas" é que foram muito radicais e brutos.

Porém, como foram governos de direita, ou de centro-esquerda, que as levaram à prática, isso nunca foi considerado "radical".

Como eram pessoas de fato e gravata, muito sérias, que os impunham, não eram "radicais".

Porém, agora que o Syriza chegou ao poder, eles é que são os "radicais".

Não por causa do que fazem, mas porque se chamam assim, ou porque têm filhos chamados Ernesto, em homenagem ao Che Guevara.

 

As percepções são importantes, bem sei, mas a verdade é que até agora, ainda não vi muito radicalismo nas propostas do Syriza.

Se isto é Che Guevara, vou ali e já venho.

O Syriza e as suas propostas de ontem vão contra a corrente de pensamento dominante, isso é verdade, mas isso não quer dizer que sejam radicais.

Mesmo a conversa sobre o perdão da dívida, é tudo menos radical.

Já houve centenas de países, em muitos momentos históricos, que tiveram perdões de dívida, e nada de muito grave se passou.

 

publicado por Domingos Amaral às 10:22 | link do post